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                          “TU  PAÍS ESTÁ FELIZ”  REDIVIVO NA VENEZUELA 
                    05-03-1990 
                    
                        Retorno a Caracas em março de 1990.  Depois da crise econômica do início do novo  mandato do “adeco” Carlos Andrés Pérez. Os saques do ano anterior foram  devastadores mas as marcas do vandalismo não estão mais à vista. O que se vê  são autopistas, novos edifícios, antenas parabólicas e, nos morros  circundantes, as casinhas humildes, superpostas, sem eira nem beira, sem  reboco, dos milhares e milhares de pobres e miseráveis, descartados pela  propriedade da indústria petrolífera, vítimas do êxodo rural. E muitos carros, não  mais aqueles imensos cadillacs, agora menores, mal conservados, batidos, sem  manutenção, rodando pelas imensas artérias asfálticas e pelos inúmeros viadutos  e túneis do vale. 
                     
                    Ao lado do Ateneo de Caracas já está  em funcionamento o ciclópico, mamútico Teatro Teresa Carreño, aliás um complexo  de várias salas de espetáculos, em proporções agigantadas. Um dos complexos de  lazer e cultura mais monumentais jamais erguidos no planeta. Rajatabla  apresentava no novo Ateneu a peça  “Ze  Coronel no tiene quien le escriba”, baseada no célebre conto do colombiano  Gabriel García Marques. Um magnífico trabalho. Simples e direto, com efeitos de  chuva constante sobre um cenário de casebre miserável sobre terra úmida,  paisagem pré-diluviana como sugere o texto original.  
                    A obstinação do veterano de guerras  inglórias, esperando a carta concedendo a pensão de ex-combatente, testemunho  da pobreza e degradação de seu povo, apostando no seu galo de briga como fonte  possível de sobrevivência, dilacera os sentimentos do público por sua pureza e  grandeza humana.  Uma rinha de galos dá o  clímax genial da tragédia iminente, da desesperança, da resignação rouca na  garganta buscando formas de evasão. 
   
                    Saí emocionado do espetáculo e, no  fundo, um tanto machucado, orgulhoso do grupo e incomodado por meu isolamento  ou renúncia à criatividade teatral.  Dias  depois apareço num programa de TV de Napoleão Bravo, ao lado de Carlos Giménez,  de Paquito (Francisco Alfaro), de Pepe Tejera (agora consagrado por sua  performance do “Coronel” e autores e artistas do grupo Rajatabla. O programa  começou com a evocação dos tempos primevos e idealistas de “Tu país está  feliz”, a pretexto dos 19 anos de fundação do grupo. Dezenove anos!  Eu havia revisto nomes e fatos, de memória, no  dia anterior, mas na hora acabei trocando o nome de Gustavo por Ricardo  (imperdoável!) e esqueci de citar a introdução de Mariel Jaime Maza, Juan Pagés  e Pepe Tejera por parte de Carlos Giménez ao grupo original. Estava eu muito  rouco, ligeiramente emocionado, estranhando tudo, como se estivessem falando de  um passado meu que em verdade era de outro, de um Antonio Miranda, “viviendo en  Los Chaguaramos”, “con ideas de suicida” que perdeu-se em alguma esquina do  percurso. 
                   
                    Tinha a sensação de que vendo-me  estavam buscando o outro e logo fui esquecido naquela multidão de atores,  durante as quase três horas de duração do programa. 
                    Tão logo acabou a entrevista voltei  para a reunião de técnicos, um tanto mais leve, um pouco mais triste, e  perdi-me outra vez no anonimato. 
                  
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